Dinheiro retirado de circulação tem recebido nova cor e formato nas mãos de artesãos de Belo Horizonte. Na Cooperativa Grupo Solidário – formada somente por pessoas que convivem com o HIV – picotes de cédulas inválidas têm servido de matéria-prima para produção de agendas, blocos, envelopes, pastas e flores, além de garantir o resgate da auto-estima dos cooperados.A ação é resultado de uma parceria entre os servidores do Banco Central (BC) da capital Mineira e o Projeto Ammor, responsável pela Cooperativa, firmada em novembro passado. Pelo acordo, o BC repassa parte dos picotes do papel-moeda recolhido e a cooperativa faz a reciclagem. “É um material barato de se trabalhar e que apresenta resultados fantásticos”, conta a coordenadora da cooperativa e arte educadora, Patrícia Fernandes, que idealizou o Grupo Solidário.Até hoje, 300 quilos de papel-moeda foram reciclados, utilizando uma técnica desenvolvida por meio de pesquisa exclusiva do grupo, que permite que se quebrem as ligações químicas do papel. A previsão para 2007 é de reciclar uma tonelada da matéria-prima. “Trabalhar com dinheiro meche com a imaginação das pessoas. O trabalho tem recebido uma aceitação muito grande. Já recebemos demanda até para exportar o material produzido”, destaca a coordenadora.A ação, além de ser uma alternativa ecologicamente correta, também tem um poder transformador na vida das pessoas que vivem com o vírus HIV. Segundo a médica oncologista e imunologista, presidente do Projeto Ammor, Doutora Irene Adamns, ao participar de trabalhos como esse, os soropositivos encontram uma nova motivação para continuar vivendo. “Eles respondem melhor ao tratamento, voltam a tomar remédios e ganham em qualidade de vida”, garante.É o exemplo de Maria Aparecida Ferreira, 43 anos, que descobriu ter a doença em 2000 e participa da cooperativa desde sua criação, em 2005. “Eu saí da depressão. Não tinha coragem de sair de casa. Antes da cooperativa, só conhecia pessoas com HIV em estágio terminal. Depois que comecei a participar dessa ação, tive contato com pessoas que convivem com a doença e esbanjam saúde”, conta.“É um trabalho completo de reciclagem. Transformamos o papel e resgatamos a auto-estima dessas pessoas”, destaca a coordenadora Patrícia. Ainda segundo ela, muitos participantes da cooperativa já foram vítimas de preconceito, não conseguiam emprego e com a reciclagem voltaram a andar de cabeça erguida. “Quando eles se envolvem em ações desse tipo eles aderem à vida”, destaca.O trabalho apresenta ainda viabilidade econômica em curto prazo. Somente no final do ano passado, cada cooperado recebeu R$ 475,00 pela vendas dos produtos feitos para o Natal. “Todo dinheiro arrecado é dividido em cotas, sendo que uma parte fica na cooperativa para pagar as despesas com material”, explica Patrícia.Todas as peças fabricadas pelo Grupo Solidário são vendidas na própria sede da instituição. “É muito bom poder voltar a contar com um salário certo e aprender um novo ofício”, conta Maria Aparecida. O resultado de tanta auto-estima pode ser medido com as novidades na vida pessoal. “Vou me casar novamente e com uma pessoa que não tem a doença. Não precisei me esconder. Ele sabe de tudo e me aceita”, comemora.Para a Doutora Irene Adamms, o Estado também ganha com esse trabalho. “Aderindo melhor ao tratamento, há menos casos de reinternações e com a geração de renda, há menos solicitações de benefícios governamentais”, explica.A cooperativa tem suas ações voltadas para a saúde, apoio jurídico, prevenção e tratamento do vírus HIV/AIDS. O projeto nasceu de oficinas de artesanato e reciclagem realizadas desde 1999 com mais de 500 pacientes das Clínicas Nossa Senhora da Conceição (extinta) e Ammor. Hoje, são 30 pessoas cooperadas. “Temos uma lista de 30 pessoas querendo participar da cooperativa, mas não temos maquinário suficiente. Estamos em busca de parceiros para comprar essas máquinas. Com isso poderemos dobrar a produção”, revela a coordenadora do grupo.Para onde vai o dinheiro velho ?No Brasil, são geradas 700 toneladas de papel-moeda sem valor por ano, sendo somente o BC de Belo Horizonte responsável pela produção de 70 toneladas. A maior parte desse material vai para aterros sanitários, o que gera um problema muito sério para o meio ambiente. O papel-moeda se desfaz muito lentamente e, se queimado, libera toxinas nocivas ao meio ambiente. Hoje, somente duas entidades possuem esse tipo de parceria com o Banco Central: o Grupo Solidário e o Instituto de Artes da Universidade de Brasília (UnB).Texto escrito por Cynthia Ribeiro, fonte : http://www.responsabilidadesocial.com/